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Além das portas do galpão

Redação O Garibaldense 19/02/2018
No galpão da DP, membros do AA conversam sobre o alcoolismo / Foto: André Moreira

Todas as quartas-feiras, precisamente às 19h30min, um grupo de 30 a 40 pessoas se reúne no galpão crioulo da Delegacia de Polícia Civil, de Garibaldi. Poderiam ser amigos festejando, religiosos de algum culto, espectadores de uma palestra, mas não são. O grupo, cujos membros podem mudar a cada dia, se reúne para compartilhar problemas, ouvir os companheiros, aconselhar e conversar. O tema, no entanto, é um só: o alcoolismo. O Garibaldense participou de um dos encontros dos Alcóolicos Anônimos (AA) e conta o que acontece além dos portões do galpão - e que fica lá dentro.

A entidade, mantida apenas por doações dos frequentadores, surgiu em 1935, nos EUA. Em maio de 1990 chegou a Garibaldi. O grupo trabalha com uma metodologia simples para combater a dependência química: sob o lema “Só por hoje”, os frequentadores buscam resistir à tentação por apenas 24h. E depois mais 24h. E mais 24h, dessa forma até o fim da vida. A noção de que o alcoolismo se trata de uma doença sem cura é de grande valia para a recuperação.

“É uma patologia. Muita gente tem predisposição genética ao alcoolismo ou ao vício em qualquer outra droga, da mesma forma que muita gente não tem”, conta um dos membros do grupo, cuja identidade será mantida em sigilo - o anonimato é outro pilar do AA. A recuperação dos frequentadores é orientada pelos “Doze passos”: uma dúzia de etapas e instruções, desenvolvidas ainda nos primórdios do grupo, que os alcóolatras podem seguir para se livrarem do vício. “Quem pratica os 12 passos muito dificilmente vai ter a recaída. O que mantém essa entidade viva até hoje são as nossas tradições”, aponta o frequentador. “Eu cheguei aqui falido espiritualmente, moralmente e financeiramente. Já consegui recuperar quase tudo graças ao AA, a um poder superior e à minha vontade”, relatou o ex-dependente, que no final do ano conclui seu curso de ensino superior na área da Saúde, após ficar um ano em uma clínica de reabilitação.

As reuniões do AA funcionam de forma ritualística. As etapas e os horários são respeitados rigorosamente. Às 19h30min todos chegam, se acomodam, a ata é lida, é feita a primeira oração (não religiosa, mas sim um texto próprio da entidade) e um membro do Al-Anon, um grupo separado para familiares e amigos de alcóolatras, lê a ‘reflexão do dia’. Em seguida se iniciam os depoimentos. Normalmente os mais experientes, há mais tempo livres do vício, vão primeiro, para estimular os novatos. Todos escutam em silêncio a fala de cada um, cujo conteúdo é sempre variado: relatos de recuperação, de obstáculos, de recaídas, de apoio. “Esse galpão é abençoado”, disseram alguns; “As coisas não tão boas como eu esperava, mas poderia ser pior. Todo dia eu levanto e penso: ‘Vamo lá, né? Vai ser pior se eu fraquejar’”, ponderou um dos depoentes; “Hoje sou feliz, de paz. Diferente do que eu era quando estava bêbado”, relatou outro; “O álcool tira o sonho da gente”, concluiu mais um frequentador, há seis anos livre do vício.

Os tipos que participam da reunião são tão variados quanto os depoimentos. Tem o descontraído, o familiar, o reflexivo, o agitado, o esperançoso... muitos são acompanhados por familiares e outros tantos não depõem, apenas escutam os companheiros falarem. “A pessoa não é obrigada a dar seu depoimento. Nada no AA é obrigado. Só de estar ali sentada, ouvindo o que os outros falam já ajuda. 90% do que é dito nos depoimentos a pessoa se identifica e percebe que não foi o único a passar por isso”, explicou um dos membros do grupo. Em comum mesmo entre os participantes da entidade existe o mal que o álcool ou outras drogas provocaram na vida de cada um - seja como viciado ou como familiar - e a vontade de se recuperar e de se manter ‘limpo’. Ao fim de cada depoimento, a frase: “Pra mim e pra todo mundo, mais 24h” é repetida, como um mantra, para dar apoio aos colegas.

Às 20h30min, igualmente em ponto, acontece o intervalo de 15 minutos. No retorno seguem os depoimentos até às 21h30min, quando é feita a segunda oração da noite e o encerramento do encontro. Em meio ao bate-papo final, os frequentadores do AA vão deixando o galpão, um por um. Da porta para fora são quase desconhecidos; da porta para dentro, confidentes e amigos.

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